2016/11/28

Lista de compras

Quero um tomate maçã, vermelho, de polpa dura, quero um par de sapatos de flamenco, uma caveira sorridente, de preferência de grandes olhos espantados, quero dois dentes de alho (para o ensopado de coelho), três cebolas roxas (para o ensopado de frango do campo), um quilo de cogumelos vermelhos às pintinhas brancas, uma abóbora porqueira, quatro pacotinhos de açúcar com a imagem dos quatro discípulos evangelistas, se não tiver, são difíceis de encontrar, podem ser quatro pacotinhos de açúcar com a imagem dos quatro cavaleiros do apocalipse, quero também um paraplégico capaz de fazer amor, uma menina cigana de lábios pintados de azul, o mapa para o cadafalso, três sacos de água quente, cinco dióspiros de roer, cinco burkinis amarelos, trinta lenços de seda libanesa e, se não for pedir muito, duzentos gramas de fiambre, cortado em fatias finas, transparentes como o papel.

2016/11/10

2016/11/09

Tango



( O que em mim terá efeito? O que me fará acordar deste torpor, desta angústia tão antiga, desta podridão? Nada me interessa. Ninguém me interessa. Finjo. Sou uma extraordinária fingidora. Leio e finjo. Como e finjo. Afago o rosto da minha filha e finjo. Falo com o Sr. Tobias pela manhã, pergunto pela pescaria do fim-de-semana, e finjo. Irrito-me com a mulher que chama "pretinho" ao engenheiro informático e finjo. Imagino-me nas termas da Cúria, hotel antigo, portas de ferro e, nos quartos cheios de luz, a presença de um tempo antigo. Já não finjo. Um parque de magnólias floridas, a sala de jantar quase vazia, eu, sentada a uma mesa, envelhecendo num segundo, eu, com o rosto vincado de rugas, o cabelo branco, abreviando o meu sofrimento, a beber um copo de vinho, sem pensar em nada, a olhar para a jovem flautista de longos cabelos lisos.)