2016/06/13

Flauta azul

Cortava o pequeno lombo de porco aos cubos, para depois o fritar para o jantar dos miúdos, quando o sol, de um amarelo moribundo, mas intenso, da cor do açafrão, bateu nas minhas mãos ensanguentadas fazendo desenhos de luz. As minhas mãos são pequenas, de dedos curtos e unhas roídas, feias, mas o sangue e o sol transformaram as minhas mãos. Se soubesse desenhar, desenhá-las-ia naquele preciso instante. Peguei na garrafa de cerveja e bebi o que dela restava. Com esse gesto, pegar na garrafa e levá-la à boca, as minhas mãos fugiram do sol. Isso afligiu-me profundamente. Ouvi as instruções de Julie. Une flute? Une flute. E o som frágil, mavioso, de uma flauta azul inundou a cozinha. Continuei a cortar a carne. Novamente o sol indiano nas minhas mãos.