2016/03/14

Brilho metálico

Ao atravessar o corredor em direcção ao quarto, sente o cheiro da cera que ainda esta semana aplicou no soalho. É um cheiro bom de madeiras antigas, que a conforta por  lhe mostrar aquilo que a casa é: um lugar onde o tempo passa sem ruído ou sobressaltos. Mas, hoje, estranhamente, o cheiro da cera não lhe traz conforto, apenas uma sensação vaga de enfado. Fica parada no corredor durante alguns instantes, sem saber o que fazer, depois decide ir à casa de banho. Não tem propriamente vontade de ir à casa de banho, pretende apenas adiar o momento em que voltará a estar sozinha no quarto. Sabe que, apesar do sono, quando chegar ao quarto não conseguirá adormecer. Mal a luz se acende, dois peixinhos-de-prata esgueiram-se para baixo do móvel do lavatório deixando no chão um rasto de brilho metálico. Tenta esmagá-los com a ponta do pé. Não consegue. Senta-se na sanita. Não quer pensar em nada, quer apenas estar ali, a observar as cornucópias do resguardo plastificado da banheira e a contar as flores que preenchem os intervalos dos pequenos chifres retorcidos. Mas, por mais que tente, a certeza de que em breve voltará ao quarto continua a assustá-la. Os seus pensamentos tomam um caminho conhecido do qual não pode fugir. É como se uma mão invisível, um corpo estranho, qualquer coisa, a empurrasse nessa direcção.