2016/01/11

Malhas caídas

Aproximo-me da mesinha de cabeceira e, com a ponta dos dedos, limpo a camada de pó que se acumulou na superfície. Abro a gaveta da roupa interior. Tudo está meticulosamente arrumado; ainda assim, resolvo inspeccionar os collants para ver se encontro malhas caídas. Introduzo a mão no primeiro par de collants, puxo a meia até chegar à costura do pé, depois faço a licra deslizar sobre os dedos muito esticados. Encontro uns que têm uma pequena malha na zona da barriga da perna, mas não os deito fora, ainda servem para usar por baixo de calças. Ter encontrado uma tarefa que, se for bem aproveitada, me preencherá o tempo faz-me sentir menos só. É bom estar aqui, sossegada no quarto, a realizar uma tarefa que, exigindo a minha concentração, me dá prazer. Sempre senti um prazer imediato na arrumação e na organização. Gosto de ter a casa limpa e flores nas jarras. Limpar bem a cozinha, organizar a despensa ou arrumar gavetas são tarefas que contribuem para a minha felicidade. Habituada a uma infância ruidosa, éramos muitos numa casa demasiado pequena, mal me vi no meu apartamento, organizei armários, gavetas e prateleiras. Mantive sempre essa disciplina. Na minha casa nunca há roupa suja em cima de cadeiras, camas por fazer, loiça lavada à espera de secar no escorredor, canecas lascadas, livros fora das estantes… Sei sempre em que gaveta está o corta-unhas e nunca me aconteceu não encontrar o boletim de vacinas do meu filho. A minha mãe dizia que a arrumação de uma casa revela muito da vida da mulher que nela vive. Acho que ela tinha muita razão. Recordo-me de que, há muitos anos, em casa da Luísa, espreitei para dentro da jarra chinesa que costumava estar no centro da mesa da sala de jantar. Espantei-me com a quantidade de coisas que ela conseguia guardar lá dentro: canetas, clips, recibos velhos, agulhas de croché, cadeados, parafusos cheios de ferrugem, fotografias, elásticos de cabelo, pulseiras, batons do cieiro, bulas de medicamentos, até brinquedos. Nessa tarde, senti o cheiro de coisas velhas que se soltava daquela lixeira em miniatura, mas não estranhei o conteúdo da jarra chinesa. Revelava a desordem da vida da minha irmã. A minha irmã sempre fez por transmitir aos outros uma imagem de solidez e conquista, mas, por dentro, estava como o jarra chinesa: cheia de entulho.