2015/06/16

Feijão-frade

Faltam-me os dois últimos molares da arcada superior. Apodreceram há alguns anos e tive de os arrancar. A sua falta, não me desfeando o sorriso, dificulta a mastigação de certos alimentos. Para além de me faltarem esses dois dentes, aos quarenta e três anos, já tenho um implante e uma coroa. Hoje, à hora do almoço, enquanto chupava uma casca de feijão frade dos dentes, fui novamente assaltada pelo medo de ficar desdentada. É um medo relativamente recente. A Virginia Woolf aos trinta e poucos anos arrancou três dentes de uma assentada. Esse facto, chegado ao meu conhecimento através da leitura do seu diário, impressionou-me muito. Até então, sempre que a convocava aparecia-me pela frente uma rapariga vestida de branco, sorriso quase imperceptível, olhos plácidos, caídos para o chão, o cabelo escuro apanhado sem preocupação. É assim que Virginia aparece  na sua fotografia mais famosa. Já não consigo imaginá-la assim, etérea, ausente, como um espectro. Se penso nela, e penso muitas vezes, vejo apenas um corpo doente, apodrecido. Uma mulher velha, enlouquecendo devagar, cada vez mais triste, cada vez mais feia.