2012/01/26

Pai

Sai de manhã, muito cedo, e volta pelo crepúsculo quando a neblina das queimadas de lixo cai sobre a aldeia. Passa o dia no terreno maior que lhe calhou nas partilhas do ano passado. Contratou uma pequena trupe de trabalhadores: duas mulheres de sari, crias amarradas à cintura, esguias, dobradas como juncos, limpam o mato; quatro rapazes escuros, uma escuridão que marca a vida, esquálidos, mortos de fome, muram a propriedade. Anda por ali o dia inteiro, olhando as várzeas abandonadas e os palmares cheios de casinhotos dos antigos manducares, agora, homens livres, a mesma miséria, a mesma indigência, a mesma servidão, mas livres, tão bonita, a liberdade. Quando chega para jantar, toma banho, veste um pijama fresco, senta-se em frente do prato de arroz branco com caril de couve-flor e, enquanto a minha mãe o penteia, como se fosse uma criança velha, dá conta dos seus pertences, naquele terreno, aquele maior perto das casas dos manducares, há vinte coqueiros, cinco jaqueiras, um tamarindo muito antigo de vagens gordas, duas mangueiras, algumas bananeiras e papaieiras; é um terreno que é uma beleza, já mo quiseram comprar, mas eu não quis, nem quero, vou deixá-lo num brinquinho, limpo, murado, cheio de fruta doce para os meus netos, vou deixá-lo assim e não sei por que o faço.