2011/05/30

Família

Deixou cá a minha mãe, muito lacrimosa, preocupada com os medicamentos que não tomará e com as restrições alimentares que não cumprirá. Com a desculpa do problema das partilhas que urge resolver, meteu-se no avião e voltou à Índia. Levou muitas garrafas de uisqui e vinho do porto na bagagem que, desconfio, hão-de servir para subornar funcionários judiciais subalternos. Só regressará daqui a dois meses. Vai dando notícias pelo skype. Ontem, contou, foi à praia com a tia Maria, a Fátima, a Melinda e as meninas da casa. A tia Maria é a matriarca da casa de Maina e tem seis netos. Cinco, para seu desespero, enorme frustração, são raparigas. Cinco dotes, cinco casamentos que terão de ser por si planeados. Não é nada fácil encontrar cinco noivos católicos, de famílias brâmanes, com formação superior. É a conjugação destes factores - religião, casta, formação académica - que torna a procura tão difícil. Imagino. Na praia, a tia Maria, a filha e a nora, sentaram-se vestidas, debaixo de um enorme guarda-sol. O sol é inimigo, não pelas maleitas e degenerescências que provoca, mas pela escuridão ordinária que deixa no corpo e é coisa das castas inferiores. As meninas, Lara (a delicada), Ellaine (a bela), Rhia (a inquieta), Lhea (a invejosa), molharam-se até aos joelhos, gozando o mar enquanto lhes é permitido mostrar o corpo. Mais meia dúzia de anos, e, como as suas mães, terão de ficar vestidas debaixo do guarda-sol. Se quiserem tomar banho, terão de o fazer vestidas, a ganga inchando, uma armadura de chumbo selando-lhes o corpo. A nudez será privilégio do leito conjugal. Os seus corpos serão propriedade dos maridos engenheiros, médicos, advogados, farmacêuticos, católicos e brâmanes, assim seja a tia Maria capaz de as bem casar.