2011/04/11

Mosto

Pagava o preço no guichet da entrada. Atrás do vidro engordurado, um velho aprumado registava-lhe o nome num caderno de folhas de papel almaço. Entrava no bar. Um balcão longo em forma de s. Uma escuridão que se colava aos corpos. Olhava as raparigas disponíveis. Não lhe interessava se eram bonitas ou novas. Aturava a flacidez das gordas e a lassidão das velhas. Não procurava beleza, muito menos volúpia. Procurava apenas quem soubesse fazê-lo sofrer. A dor e a humilhação eram-lhe essenciais para continuar vivo. Gostava de cabedal, pregos, maquilhagens agressivas, lábios negros. Apreciava, sobretudo, saltos que se pudessem enterrar na carne, rompendo a fragilidade dos vasos capilares cutâneos, deixando-lhe marcas violáceas durante toda a semana. Escolhia a mulher que usasse os saltos mais altos e mais finos. Feita a escolha, pedia para ser levado para o gabinete de veludo preto onde uma panóplia de objectos – correntes, algemas, chicotes, chibatas, vendas, trelas -aguardava uso. Despia-se e deitava-se no chão. Pedia à mulher que caminhasse sobre o seu corpo. Explicava. Era preciso que o atravessasse sem hesitações. Sem medo. Devia caminhar como se caminhasse sobre um caminho conhecido, uma estrada de alcatrão, uma vereda de terra batida. Quando chegasse ao centro, onde o sexo se erguia, marmoreado, como uma coluna jónica, devia pisá-lo. Que o pisasse bastante, com força, vigor, como se estivesse no tanque de um lagar. O seu corpo feito mosto.

Um dia, porém, um salto agulha, talvez mais fino, talvez mais longo, enterrou-se no fuste do seu pénis. Sangrou. Levou quatro pontos. Jurou nunca mais voltar. Na semana seguinte, mal a ferida cicatrizou, voltou ao guichet de vidros engordurados, que a vida, a sua, era demasiado simples para poder aceitá-la. Não sabia viver sem sofrimento e sem humilhação. Nessa noite, a noite do seu regresso, rejeitou os saltos finos. Escolheu uma mulher que calçava umas grotescas botifarras de plataforma. Pediu-lhe calma. Queria continuar a sofrer, sim, mas com moderação. A mulher enfiou-lhe uma trela de pregos e entreteve-se a passeá-lo pelo bar. Ganiu a noite toda de satisfação. E ladrou afavelmente a um homem de cabelo grisalho que lhe fez uma festa.

(A sondagem da Universidade Católica que dá 33% ao PS diz muito sobre as taras deste país. Sempre defendi a anexação a Espanha.)