2011/02/25

Beco

Gritei a primeira vez e a chinesa largou o fresco do interior da loja de quinquilharia e assomou à porta. Gritei a segunda vez e dois rapazes do bairro, vestidos de preto, boné na cabeça, o corpo arrumado à parede suja de um prédio, entreolharam-se. Gritei a terceira vez e as freguesas da mercearia - uma velha de xaile e uma negra indolente de refegos -, largaram as compras e vieram postar-se na calçada, à espera de um espectáculo que as livrasse do tédio. Quanto mais eu gritava, mais o homem me apertava os pulsos, imobilizando-me à porta do restaurante indiano. Olhei-lhe para dentro dos olhos cada vez que gritei. Só quando gritei a quarta vez e o meu grito percorreu o beco, estilhaçando vidros, açoitando os gatos, matando baratas, é que o homem me largou.