2011/01/31

Sábado

Levo o Joaquim pela mão e percorro os corredores que, em criança, percorria com a minha mãe. A praça mudou de sítio. Antigamente, há muito tempo, ficava no meio do bairro, era um amontoado de toldos de lona e lagos de água suja. Depois, veio o progresso e a praça foi instalada num pavilhão que a câmara municipal construiu. A praça passou a ser o mercado municipal. Vou sempre à banca da D. Maria que gere o negócio com a ajuda dos dois filhos. O rapaz é um gordalhufo, mal disposto, um senhor patrão, de boina à banda, olhar ressentido. Descarrega a raiva que tem ao destino quando pega no facalhão para cortar talhadas de abóbora. A Sónia, a filha, é bonita e simpática. Uma jóia de rapariga. Há depois uma ajudante. Viúva, miudinha, é parenta, mas por afinidade. Vê-se pela magreza, pelo ar murcho. Trata das hortaliças. Avia as freguesas que querem nabiças, grelos, espinafres, agriões. Às vezes, aparece o Corneta, meio pateta, o cabelo oleoso colado à testa, óculos de fundo de garrafa. Anda às ordens da D. Maria, fazendo o que for preciso. Coça constantemente os testículos e gosta de contar anedotas ordinárias. Na semana passada, o Corneta fazia anos, não sabia quantos ao certo, e, em vez de responder às ordens da D. Maria, entretinha-se a oferecer galões, bicas e copinhos de bagaço a toda a gente. Acabei por ir com a Sónia ao café da praça. A dona do café tem um ar sujo e chora a ouvir o Tony de Matos. Agradeci o galão ao Corneta que arreganhou uma boca de dentes podres e escutei, durante cinco minutos, a Sónia queixar-se do ex-marido, que nunca pagou a pensão de alimentos ao filho, é um parasita, um autêntico estafermo. Ela a falar, eu a concordar com cada palavra, que sou muito boa no amparo. Despedi-me. Ela enfiou as mãos nos bolsos da bata, gritou um palavrão ao filho que por ali andava, e correu para a sua banca.