2011/01/08

Noite

Durante a noite, a beira-rio enche-se de homens. Sentam-se nos bancos listrados junto ao rio a olhar a neblina que paira sobre as águas. Passeiam lado a lado. Raramente se tocam. O desejo, bicho nocturno, fica encoberto nas sombras. É preciso estar atento, olhar com muita atenção, para se dar conta dele. Os homens que andam aos pares gostam de se sentar ao lado dos outros homens que bebem gins tónicos nas esplanadas à beira-rio. Às vezes, sentam-se no restaurante francês que tem guardanapos de pano e onde se come batatas fritas e bifanas de porco à média luz. Ontem, um desses casais estava posto na vitrina do restaurante francês. Um homem jovem e gordo bebia vinho de um copo de pé alto como se fosse mulher, pondo a boca no rebordo, deixando-a estar nesse parapeito por breves instantes, humedecendo depois os lábios no líquido. O outro homem, esguio e careca, olhava-o e entumecia. Ao cruzar-me com esses homens que amam outros homens, que desejam outros homens, sinto sempre estranheza. Percebo o desejo de uma mulher por outra, mas estranho que um homem possa desejar fisicamente outro homem.