2010/06/01

Filho

O meu filho mais velho tem da política uma visão simples. Os bons são muito bons. Os maus são terríveis. Não há cá meios-termos, não dá guarida à mediania que é a pior forma de mediocridade. Idolatra o Nelson Mandela. Odeia, visceralmente, o Salazar. Por mais que lhe falem do descalabro da primeira república e dos cofres cheios de ouro, o miúdo não encontra préstimo ou valor na ditadura. Muito pelo contrário. Faz muitas vezes a contabilidade dos mortos do Estado Novo e inclui sempre, para meu orgulho, os africanos que morreram na guerra colonial. Despreza o Sócrates, o José Eduardo dos Santos e o Hugo Chavez. Gosta do Obama. O meu marido que é meio de direita, conservador, revira-me os olhos quando o escuta chamar nomes ao Salazar. Eu não digo nada, mas acho que o João está no bom caminho. Pensa pela cabeça dele. Está longe de ser um protectorado da sua mãe. Por exemplo, por mais que falemos sobre o assunto, não concorda com casamentos entre pessoas do mesmo sexo e, do pouco que lhe expliquei sobre o conflito no médio oriente, não vai à baila com os israelitas. Desconfia deles. Ontem, à hora do jantar, enquanto abocanhava um pedaço de frango de fricassé, referindo-se ao ataque aos barcos turcos, disse mesmo que os israelitas deviam ser todos fuzilados. Nunca lhe imponho as minhas ideias ou opiniões, mas, desta vez, tenho de falar com ele. É certo que só tem onze anos, idade propícia a arrebatamentos ingénuos, mas custa-me muito vê-lo fazer análises e comentários ao nível dos que são feitos pela maior parte dos comentadores políticos portugueses.