2010/02/21

Sangue

Fiquei parada a olhar o coelho em cima da bancada da cozinha. O corpo vinha ainda ensanguentado e estava encolhido como se fosse um feto dentro da barriga da mãe. Mas o que mais impressionava era a cabeça. Parecia a cabeça de um menino morto. E tinha olhos escuros como os dos meus filhos. Coloquei o bicho por baixo da torneira e chamei o R. Corta-lhe a cabeça. Não sou capaz de o arranjar se ele estiver a olhar para mim. E estendi-lhe um cutelo. Desviei o olhar. Escutei o ruído da faca e o baque da cabeça caindo no caixote do lixo. Voltei a ficar sozinha. Enfiei as mãos nas entranhas e senti o coração, o fígado. Arranquei vários pedaços de gordura esbranquiçada. Piquei alhos, ervas. Reguei-o com vinho tinto. Esfreguei-lhe o corpo com sal. Deixei-o em cima da bancada, aninhado numa travessa de vidro, coberto com papel de alumínio. Já lavei muitas vezes as mãos. Ainda cheiram a alhos, vinho e sangue.