2010/02/08

Maria Adelaide

Aconselhou-se com a mãe. Não tinha mais ninguém a quem recorrer. A mãe escutou-a na vivenda de azulejos cor de caramelo. Explicou-lhe com inesperada clareza a natureza instrumental do casamento: era apenas um meio para se alcançar um fim. Maria Adelaide encontrou certo conforto no conselho. Chegou-se ao marido e disse-lhe que podia suportar o resto desde que tivessem um filho. Foi mãe aos vinte e nove anos. A menina que nasceu era muito bonita. Maria Adelaide rejubilou. Achou que a beleza da filha vingava o seu passado de permanente gozo: o lábio leporino à nascença, a mãe assim como era, a gargalhada do primo Renato no quarto das bonecas, o despeito das primas, o marido olhando imagens de homens nus. As primas, Arlete e Gorete, estranhavam a extraordinária beleza da menina. Não percebiam como podia a Laidinha ter tido uma menina tão linda. Mais parecia filha da Broke Sheilds. Descobriu-se, pouco depois, que a menina sofria de atrasos graves. Mal falava e babava-se muito. As primas voltaram a visitá-la e a consolá-la. Conseguiam suportar a beleza da filha agora que a sabiam tolinha. Deus voltava a gozá-la. Pela quarta vez.

(bocadinho do tal conto.)