2009/01/04

Ganges

Voltei ao ginásio. No balneário vi-me rodeada de rabos cheios de celulite enfiados em cuecas fio dental. Compadeci-me daqueles pobres rabos agrilhoados. Há o rabo descaído da jurista sénior que tem focinho de doninha. Há o rabo da histérica, apreciadora de pratos de tofu, que faz os exercícios todos, os esquemas todos, as séries de abdominais todas, que nunca se engana em nenhum passo. Há o rabo empinado, lisinho e bonito da professora. Conheço bem estes rabos. Já quase consigo encará-los sem fazer um esgar de nojo profundo. Hoje, porém, ia morrendo. Estava eu a vestir-me, calmamente, e a topar os movimentos das outras mulheres quando saiu do chuveiro uma rapariga que também frequenta a minha aula de ginástica. É uma rapariga cujos traços anunciam uma castidade genuína. Tudo nela é virginal. A pele leitosa. O sorriso beato. O cabelo claro e ondulado. Os pelos púbicos ralos. Os mamilos feios. Eu olho para ela e tenho a certeza de que tem filhos, pertenceu, quando nova, ao grupo de jovens da paróquia, é fiel e feliz com um marido calvo e magrinho. Estava eu a olhar para ela e a compadecer-me do seu rabo, cheiinho de celulite, uma autêntica gigantesca casca de laranja, quando a vejo puxar de umas cuecas pretas. Estranhei, confesso, o preto. Ela vestiu as cuecas e passou ao sutian. Para meu espanto, em vez de as esconder, deixou as horríveis nalgas, cheias de buuraquinhos, à mostra. Descri. Pensei, juro que imaginei, que ela tinha umas cuecas normais e só que, por descuido, as deixara enfiadas no rego do rabo. Mas não. Percebi que ela estava a usar um fio dental quando lhe olhei para o rosto e vi o ar satisfeito que tinha. Quando uma mulher assim, uma mulher que sabe o acto de contrição, cede à ordinária tentação de usar uma cueca fio dental é sinal evidente de que o mundo está perdido. Saí desanimada do balneário. Com vontade de mergulhar nas águas sujas do Ganges para me livrar desta imundície.
(Fevereiro 2007)