2007/07/06

Tango

Noite fora, na televisão, enquanto os outros dormem, deparo com um filme que sempre me suscitou curiosidade. Foi um dos primeiros filmes que a tia Dé viu depois da revolução. Vejo o Marlon Brando. Velho. Com o olhar toldado. Como se estivesse louco. Vejo a Maria Schneider. Cheia de caracóis. O cabelo macio. Feito de lã. Ou de bocadinhos de nuvem. Reparo nos seus seios duros, espetados, que assomam no decote em v da camisola de malha lilás. O filme corre sem interesse. Às tantas, deparo com a tal cena do pacote de manteiga. Sempre ouvi falar desta cena. Pensei que fosse erótica. Ou sensual. Enganei-me. É uma cena dolorosa. A Maria Schneider chora. O Marlon Brando grita-lhe ao ouvido. Fala-lhe de Liberdade e da Sagrada Família enquanto a cobre. Apago a televisão. O aparelho agoniza. Emite um gemido de ruídos pequeninos e electrizantes. Deixo os dois amantes dentro do televisor, tomando-se um ao outro como se fossem animais. É uma merda de filme. Não vale um caracol. Sento-me no chão da varanda. Fumo um cigarro. Descubro ao meu lado o tubinho para fazer bolas de sabão de um dos meus filho. Inalo o fumo. Depois expiro para dentro das bolas de sabão. Em vez da habitual transparência, as bolas ficam turvas e pesadas. Aguentam durante breves segundos. Depois, puf, explodem em fiozinhos de fumo. Volto a pensar nas tais palavras. Liberdade e Sagrada Família. São incompatíveis. Há que optar por uma ou por outra.