2007/06/06

Ricardo

Olha-me. Deve ter 5 ou 6 anos. Tem um ar frágil, débil. As mãos estão cobertas de pequenas borbulhas. Usa um boné verde que esconde uma cabeça demasiado pequena para o seu corpo. Parece estar sozinho. Fixa o olhar na caixa que tenho em cima dos joelhos. Sem hesitações, sem vergonha, pergunta-me o que tem lá dentro. Respondo. Ele faz outra pergunta. A nossa conversa, feita de sorrisos, poderia continuar assim por mais uns minutos, até à hora da chegada do meu comboio. De repente, a mulher que está sentada ao meu lado cobre com as mãos o rosto, num gesto brusco de desespero. Ó Ricardo, tu está calado! Já não te posso ouvir! Desaparece! O menino foge para um canto qualquer da estação. Põe-se a olhar para o chão à cata de pequenos tesouros. Olho a mulher que acabou de falar. É nova, deve ter vinte e poucos anos. Tem o cabelo escuro, muito comprido, com resquícios ainda visíveis de uma permanente feita há já algum tempo. Usa umas calças de ganga e um blusão azul-escuro. Apesar de roídas, as unhas estão cobertas por um verniz de cor salmão. Lê um livro da colecção Harlequim. Chama-se “Desejo apenas um homem”. Na capa, sobre um fundo vermelho, um homem abraça uma mulher loura que usa um vestido justo, amarelo. A mulher não consegue desprender o olhar daquelas páginas. Está completamente absorta na leitura daquele livro. Não olha o filho. Os seus olhos não o procuram para ver o que está a fazer. Não cuidam dele. Fico com a sensação de que se o menino desaparecer, para sempre, no meio da multidão, ela ficará aliviada.