2007/04/30

Pensão Imperial

A noite faz-se em chuva e escuridão. Vicente adormece no seu quarto segurando um pau de giz. Ascensão apaga as luzes da Pensão Imperial. Antes de se deitar, verifica se Alzira foi à casa de banho. Confere se o resguardo está colocado na sua cama. Está cansada dos lençóis molhados pela manhã, do cheiro adocicado que se espalha pelo quarto, esse cheiro intenso, excessivo, que a repele enjoa. A velha dorme de boca aberta com um barretinho de lã cor-de-rosa enfiado na cabeça. Em cima da mesa-de-cabeceira, a dentadura repousa dentro de um copo mal lavado, muito riscado e baço. Ascensão observa o quarto. O soalho de madeira apodrecida adormece os seus passos. O tecto, trabalhado em estuque, tem florões onde repousam insectos mortos. Em cima da cómoda, uma rapsódia de inutilidades: frascos de perfume vazios, estatuetas quebradas, caixas de pó de arroz, leques, um aparelho para retorcer as pestanas, outras bugigangas compradas nas lojas chinesas da praça.
Ascensão olha para Alzira que ressona baixinho. Não lhe pesa a traição do marido com aquela prima distante, mais velha, de rosto empoeirado e frases levemente ordinárias. A traição do marido trouxe-lhe até uma sensação de conforto que nunca pode confessar a ninguém. Não se importa que o marido, tantos anos atrás, a tivesse trazido para morar na Pensão Imperial. Os hóspedes passaram a sussurrar segredos, estranhando o seu silêncio e a sua compreensão. Apenas uma vez, lembrava-se agora, um vendedor, que se hospedou por um mês na Pensão Imperial, quis dizer-lhe qualquer coisa, vira-os na copa, ela deitada sobre o tampo de mármore, arfando como uma cadela com o cio, ele por cima dela, arfando também, mexendo-lhe no com desembaraço e intimidade, percorrendo-lhe todos os caminhos do corpo. Ascensão escutou o vendedor em silêncio, concentrando-se nas gotas de suor que escorriam dos seus poros. Depois, levantando-se com aborrecimento, perguntou-lhe se precisava de toalhas lavadas. Quando o vendedor voltou para a sua cidade levou consigo a sua história. Morto o marido, a prima Alzira continuou a morar na Pensão Imperial, sem nada pagar, reclamando de si as pequenas atenções que exigia do morto. Um copo de leite morno ao deitar. Um gladíolo vermelho na jarra amarela. A sua roupa lavada com sabão azul e branco. Os banhos prolongados ocupando, durante longos minutos, a casa de banho do primeiro andar. Mas nada disto incomodava Ascensão. Na verdade, tantos anos passados, só lhe custava uma coisa: o cheiro do mijo, tão doce e morno, que o corpo de Alzira libertava.