2006/10/19

Mulher-paquiderme

Ao lado da fêmea-tigre, que debica um pudim de ovos, um grupo de três mulheres fala do novo crucifixo do santo padre e das actividades da igreja. Conheço-as bem. São amigas da minha cunhada que acredita em deus com devoção e ganhará, por isso, um lugar no céu. Uma delas faz o bigode todos os dias e tem uma voz de trovão que assusta qualquer mortal. Outra é pequenina e está, hoje, especialmente esfuziante por a filha namorar com o filho de uma alta figura do Estado. A terceira chama-se Almerinda e é robusta como um paquiderme. Tem um ar campestre. Gosto muito dela e do marido, míope e excessivamente feio. Só que hoje a Almerinda traz sandálias que lhe deixam a descoberto os dedos dos pés. São uns pés gordos, inimagináveis de tão feios que são. Há uma certa obscenidade em mostrá-los. São pés pantagruélicos, gargântuescos. Tem uns dedos muito gordos, cheiinhos de carne. As unhas encaracolam, enterrando-se na carne. A unha do dedo pequenino, em vez de ser quase invisível, como é hábito, é gigantesca. Mostra-se, triangular, por cima de um bocado de carne. Olho para aqueles pés e esqueço as mamas da fêmea-tigre. Os pés da Almerinda, a mulher-paquiderme, arrumam com elas a um canto.