2006/10/06

Amiga

Li, algures, que, em 20% dos casos, a depressão se torna numa doença crónica sem remissão. Ao contrário do que o doutor LM diz, a minha depressão não é reactiva. Engana-se redondamente o doutor LM que fuma charuto e está sempre excessivamente bronzeado. A minha depressão é crónica. A tristeza em mim é um estado latente. Conheço-a desde sempre. Cresceu comigo. É uma espécie de minha melhor amiga. Cuja presença me incomoda. Que se impõe nos meus dias. De vez em quando, a amiga-tristeza hiberna dentro do meu corpo durante longos períodos. Acomoda-se num canto qualquer e deixa-se adormecer, enroscada. Oiço-lhe o ressonar, brando e húmido, de animal manso. Não me incomoda, mas sei que está lá. Nesses momentos quase me sinto normal (seja lá o que isso for, não me quero normal, nunca quis, sou demasiado maníaca, megalómana, para me satisfazer com a normalidade, associo a normalidade à mediania e eu, de longe, prefiro ser medíocre a ser mediana). Outras vezes, a amiga-tristeza desperta e, como um animal acicatado, transforma-se em fúria, ira e dor. É uma dor invisível, de tal forma intensa que se sobrepõe a tudo e a todos. Como se mata uma amiga, a melhor, que vive dentro de nós? A resposta é fácil, aceitável até. Basta que se retire a carga dramática, trôpega de lamentos, urros aflitos e brados lacrimosos.